sexta-feira, 14 de agosto de 2009

CINEMA OBSCURO #1


Essa coluna se dedica a falar/resgatar/detonar/exaltar pérolas obscuras do cinema.

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Canibal Ferox

por Lucas Lopes

Entre os amantes do cinema underground (aproximadamente um seleto grupo de 7 sobreviventes – sim 7 é um número místico) esse filme também é conhecido como Canibal Xérox, tamanha a chupação de idéias de outros filmes do gênero e de cenas de documentários do estilo de Animal Planet contidas nessa pérola do cinema italiano de 1981.

Canibal Ferox, dirigido por Umberto Lenzi, foi a ultima produção do ciclo de filmes italianos sobre índios canibais, iniciado em 1972 com o próprio Lenzi dirigindo Mundo Canibal (Man From Deep River / Paese del sesso selvaggio, Il). Desde que surgiu esse subgênero do horror, os filmes tornaram-se cada vez mais violentos, eliminando pudores acerca de cenas de nudez, violência e sexo explícito, e matança real de animais, o que nem sempre tem alguma relação com o enredo, mas coopera enormemente na árdua tarefa de chocar corações inocentes que venham a assistir um filme que exibe com enorme orgulho em sua capa inscrições como “O filme mais violento de todos os tempos” e “Banido em 31 países”.

Para início de conversa, quase todos os atores do filme são italianos mas se escondem atrás de pseudônimos em inglês, como por exemplo Giovanni Lombardo Rarice que está creditado como Mike Logan, e Maria Fiamma Maglione, “disfarçada” de Myrna Strand. Além disso, são exibidas diversas cenas em Nova York que tem ligação quase nula com a história principal, mas são importantes por fazer o espectador acreditar que está vendo um filme americano.

A história começa em Nova York, como um rapaz andando pelas ruas da cidade enquanto são exibidos os créditos do filme (em inglês, que chique!), ele entra em um prédio e vai até o apartamento de um amigo, onde na verdade encontram dois bandidos que o chamam de shitface, dão uns pescotapas nele e dizem que seu amigo é fornecedor de cocaína e que deve muito dinheiro. Depois de o sujeito dizer que não sabe o paradeiro do amigo, matam ele. Imediatamente a imagem é cortada para uma cena aérea do rio Amazonas, que eu tenho certeza já tê-la visto outro lugar, provavelmente no ótimo Holocausto Canibal, de Ruggero Deodato, mas eu acho que na verdade ela foi chupada de algum documentário.

A seguir são apresentados os nossos heróis: Gloria, que está trabalhando em uma tese de doutorado em antropologia na qual defende que o canibalismo nunca existiu em uma sociedade minimamente organizada, e está na América do Sul procurando pela tribo Manyoka, que segundo uma famosa revista americana, pratica canibalismo até os dias de hoje; Rudy,que é irmão de Gloria e está no filme somente para aumentar o número de mortos; e Pat, a amiga-gostosa-piranha-que-dá-pra-todo-mundo que está somente acompanhando Gloria e contribuindo para o filme com muita nudez gratuita. Os personagens estão em uma pequena cidade às margens do rio Amazonas na divisa da Colômbia com o Paraguai, agora, me digam vocês onde diabos você acha que se localiza essa cidade?

Os três pretendem pegar uma balsa e entrarem de jipe selva adentro sem ao menos a companhia de um guia. Dentro da balsa, ganham de um policial (que acabara de comer a amiga piranha da protagonista em troca de deixá-la usar o chuveiro da casa dele, já que, inexplicavelmente não havia nenhum outro lugar na cidade onde se pudesse tomar banho) um furão, animalzinho simpático que segundo ele trás sorte para os donos. Ao entrarem na selva, obviamente a primeira coisa que acontece é o jipe atolar. A segunda é o furão morrer, devorado por uma jibóia. A terceira é eles decidirem continuar mesmo assim.

Não passa muito tempo e encontram dois sujeitos perdidos no meio da mata, que dizem terem sido atacados por malvados índios canibais que torturaram e deixaram apodrecendo em um toco no centro da aldeia o seu guia brasileiro (eu achei que índios canibais prefeririam comer a carne do cara ao invés de deixá-la apodrecer, ma tudo bem, sigamos...).

Depois de algumas cenas de animais morrendo e de nudez gratuita somos surpreendidos com uma bombástica revelação de um dos caras que estavam fugindo dos índios. Ele diz que na verdade o amigo dele vendia cocaína em Nova York (lembram do começo misterioso do filme?) e estava endividado, vindo para a América do Sul buscar esmeraldas que o deixariam rico(!). Além disso, o cadáver putrefato na aldeia não era de seu guia, era de um índio que foi tortura para revelar onde estariam as esmeraldas. Por isso os índios estão atrás deles.

Bom, acho que já falei demais, então vou dar uma adiantada: mais animais morrem sem conexão nenhuma com o enredo. Depois os mocinhos são capturados: o cara mal, torturador de índios, vendedor de cocaína e que almejava esmeraldas tem seu pênis cortado e devorado por um dos índios, que faz questão de curar a ferida para o infeliz ter uma morte lenta e dolorosa. A amiga gostosa tem os peitos perfurados por enormes ganchos de metal afiados e industrializados, que não se sabe como chegou às mãos dos índios, e depois é erguida, morrendo de dor, literalmente. O amigo do traficante morte devido a ferimentos anteriores adquiridos no processo de fugir dos índios. O irmão da mocinha tenta fugir, se esconde num lamaçal cheio de piranhas (peixes mesmo) que começam a devorar sua perna, então os índios o acham graças á seus gritos de dor e o matam. O cara que teve o pau cortado consegue fugir, chega a ver um avião sobrevoando a floresta, mas obviamente nós sabemos que ele não vai sobreviver (afinal de contas, ele já teve o pau cortado!), então os índios o capturam novamente arrancam seu escalpo e comem seu cérebro como se fosse pipoca, em uma cena extremamente realista. E a mocinha... bom... não me lembro o que acontece com ela, mas deve ter morrido também.

Enfim, o filme trás cenas bastante realistas e bem feitas, mas também coisas extremamente trash, mas como o próprio diretor Umberto Lenzi declara nos comentários do DVD, este filme não é feito para entreter, é feito para chocar. É interessante também um relato no qual o ator John Morghen (na verdade esse é o pseudônimo dele) diz que Lenzi pediu a ele que esfaqueasse um porco preso em uma armadilha, mas como o ator se recusou a fazer isso, o próprio Lenzi matou o bicho e depois editou uma montagem juntando sua mão com uma cara de sádico feita por Morghen e depois afirmou: "Se eu pedisse para Robert DeNiro fazer isso, ele faria". Morghen respondeu: "Se você pedisse para o DeNiro, ele chutaria de volta o seu traseiro até Roma!".

Para terminar gostaria de dizer que o filme não é nem de longe um clássico, e não considero nem um pouco recomendável. É simplesmente uma sessão de sadismo, que ao contrário de seu antecessor Holocausto Canibal (que apesar de muita sanguinolência tem uma produção caprichada e sem furos de roteiro, além de belas fotografia e trilha sonora) não tenta trazer à tona uma discussão sobre quem são os verdadeiros selvagens, mas aponta na cara do espectador e grita: “VOCÊ É UM CANIBAL PORRA!!!!!!”

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